A VOLTA DO SOLDADO FERIDO
NUMA CERTA MANHÃ, no ano de
1863, chegou ao cais de Norfolk, Virgínia, Estados Unidos, um navio
a vapor carregado de passageiros pouco comuns. Tinha sido efetuada
uma troca de prisioneiros feridos e doentes entre os exércitos da
União e da Confederação, e esse vapor transportava centenas de
soldados da União que haviam sido feitos prisioneiros e tinham
estado internados nos hospitais da Confederação.
Muitos deles estavam num
deplorável estado de miséria e sofrimento. Entre eles encontrava-se
um jovem de menos de vinte anos de idade, cujos padecimentos de
feridas e doenças o haviam enfraquecido sobremaneira. Fora criado
delicadamente em um lar de fino trato na Filadélfia, mas a vida no
cárcere do exército inimigo, e a prolongada falta de cuidados,
tinham sido para ele intoleráveis, deixando seu corpo em estado
lastimável, coberto de chagas e cheio de parasitas.
Um irmão mais velho, abastado
negociante em Filadélfia, mandara dizer-lhe que iria ao seu encontro
em Norfolk. Ao receber esta notícia, disse logo aos companheiros:
"Certamente ele não vai me reconhecer". Contou-lhes como o
lar de seu irmão era tão elegante e limpo, e acrescentou que, com a
mudança que se operara nele, certamente não o desejaria receber cm
sua casa. "Encontro-me tão mudado" , disse ele, "que
William não irá me reconhecer, e se me reconhecesse, certamente não
estaria
disposto a receber-me em sua casa. Terei de ir para o hospital e lá
morrer" . Em seguida, o pobre rapaz desatou a chorar,
contemplando sua roupa tão suja e esfarrapada, e o corpo emagrecido.
Logo que o navio atracou ao
cais, um homem forte e bem vestido saltou para o convés. Era
William, seu irmão. Havia horas que estava ali, aguardando a chegada
do navio. Tinha uma carruagem munida de boas almofadas e cobertores,
para levar o irmão para o trem. Tinha obtido licença de Washington
para levar seu irmão para casa e, com o semblante a manifestar
ansiedade, andou pelo convés em busca dele. Não demorou para chegar
perto de seu irmão, porém não o reconheceu. Sentiu-se mal ao
contemplar aquele ser tão desgraçado. Tinha feridas na boca e no
nariz, o rosto desfigurado, o cabelo despenteado e grudado às
manchas pustulentas que trazia na testa; pés descalços e cheios de
fendas causadas pelo escorbuto. Sua roupa estava reduzida a trapos
imundos. Ao ver aquilo, William voltou-lhe as costas, impulsionado
por profundo sentimento de nojo. O coração do pobre jovem doente
esmoreceu. "Era isto que eu receava", pensou consigo,
"William não me reconheceu e teve nojo de mim. Ele estava tão
limpo e bem vestido! No estado em que me encontro
agora,
nunca poderá desejar ter-me ao seu lado". E assim não teve
coragem de chamar por ele.
Seu irmão passou pela segunda
vez sem que o reconhecesse; pelo que continuou sem ânimo de lhe
dirigir palavra. Mais uma vez o irmão deu a volta por todo o convés
do navio, indo de soldado a soldado. Quase chegou à conclusão de
que seu irmão não estava ali, e teve receio de que tivesse morrido
na viagem. No entanto, fazendo ainda mais um esforço, encontrou-se,
pela terceira vez, junto daquele a quem buscava.
Contemplou-o com atenção,
mas ainda sem dar sinal de o haver reconhecido. "Coitado",
pensou, com profunda compaixão. Mais uma vez virou-se para se
afastar, quando uma débil voz o fez parar.
– William! Não me
reconhece? — foram as palavras proferidas pelos
trêmulos lábios do pobre
enfermo.
– Meu querido irmão! Por
que não me chamou antes? – foi a resposta
aliviada daquele homem.
Tomou em seus braços aquele
corpo magro, levando-o logo — trapos, imundície, feridas e tudo
mais — para a carruagem que os esperava. As suas forças, o seu
dinheiro, o seu lar, tudo quanto possuía estava à disposição de
seu pobre irmão, e o fato de ser rico nunca tivera tanto valor, aos
seus olhos, como agora, quando de tudo isto se podia valer em
benefício de seu irmão.
Leitor: pode ser que a
compreensão de seu estado pecaminoso, desgraçado e das chagas
morais de muitas espécies, faz você sentir vergonha e receio do
Senhor Jesus, assim como aquele pobre soldado sentia de seu irmão. O
contraste entre você e Cristo é bem maior, sem dúvida. Se você
fosse levado, tal como está, em seus pecados, para a presença do
Senhor no lugar onde Ele Se encontra, na luz, santidade e glória do
Céu, sentiria quão grande é o contraste que existe entre o seu
estado e o dEle, e isto encheria seu coração de desespero. "Desde
a planta do pé até à cabeça não há nele cousa sã, senão
feridas, e inchaços, e chagas podres, não espremidas, nem ligadas
com óleo" (Isaías 1.6).
Contudo, o negociante de
Filadélfia, por mais contente que estivesse ao tomar o irmão nos
braços, e cuidar dele com tanta ternura, quando o achou, não sentia
nada que se compare ao gozo imenso que o Salvador sente quando
encontra um pobre pecador que confesse a sua necessidade de salvação.
Cristo aceita o pecador,
Coberto com as chagas do
pecar;
Livra-o, e logo o transforma
Em alguém apto ao Céu
entrar.
“O
que vem a Mim de maneira nenhuma o lançarei fora" (João 6.37).